AGUIDAVI DO JEJE (LP) - EDIÇÃO LIMITADA COLORIDO

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R018 - Aguidavi do Jêje

“Quem come em mesa bonita tem que usar camisa limpa”, diz a sabedoria de nossos ancestrais africanos. Por isso, abro esta breve apresentação primeiro informando que este não é um álbum de músicas rituais, sagradas. Mas que também não é de canções para simples entretenimento. Pois o que esta obra de arte propõe a você, caro leitor, é uma longa viagem atlântica, de ida e volta, do Brasil ao Golfo de Benin e à chamada Costa dos Escravos. Mas sem nenhum rancor ou ressentimento. Muito pelo contrário! Pois nossa viagem é um lauto banquete e acontece em uma das principais fontes da pujante e inesgotável africanidade brasileira.

Como todos sabemos, jêje é o termo que designou, no Brasil escravista, cada um dos africanos ou africanas provenientes do antigo reino de Daomé, no território da atual República do Benin, e hoje adjetiva tudo o que se refere ao legado cultural desse povo. Da mesma forma, o termo nagô foi, na origem, o termo usado pelos daomeanos falantes da língua fon, aqui chamados jêjes, para designar os falantes da língua hoje conhecida como iorubá. Fortes, poderosos, orgulhosos, esses dois povos, — como muitos vizinhos europeus, asiáticos etc. até hoje — alternavam relações ora de paz ora de guerra encarniçada. Mas em solo brasileiro, a partir da Bahia, construíram juntos um admirável complexo cultural, do qual este Aguidavi do Jêje, que orgulhosamente apresentamos, é um exemplo eloquente e oportuno. Se não, vejamos. Aguidavi é a vareta com que são percutidos os três tambores rituais do candomblé jêje-marrim, chamados rum, rumpi e lé. Todas essas quatro denominações vêm da língua fon, sendo jêjes portanto. Como também o nome da comunidade-terreiro onde se originou o grupo percussivo protagonista do presente lançamento, o Zoogodô Bogum Malê Rundó, cujo significado ainda permanece relativamente secreto até mesmo para os estudos mais avançados.

Tentativamente, eles tem sido assim apresentados: Zogbodó como “corte de cabelo identificador dos filhos da divindade Sakpatá”, o Omolu ou Obaluaiê dos nagôs; Bogum, associado a Agbogun, divindade protetora da capital do Daomé; o elemento Malê é mostrado como prova da ligação da comunidade com a principal insurreição dos escravizados na Bahia, ocorrida em 1835; e Rundó pode ser a forma brasileira para a forma verbal hun dò, "abrir o buraco", de sentido incerto.

Quanto ao repertório deste Aguidavi do Jêje, o que temos a dizer é que ele é também uma viagem percussiva e melódica por diversas possibilidades, a qual inclui a sonoridade da viola de cabaça, de feitura artesanal, característica da chula baiana, definida em um registro do músico Roberto Mendes como “comportamento traduzido em canção” (Fundação Cultural Palmares, 2008). Assim, na viagem, o jêje abraça o nagô sem qualquer impedimento, tanto no “Ogum” da segunda faixa do Lado A, quanto no "Xirê" da terceira faixa do Lado B.

Observemos que, na música tradicional africana, como outras do âmbito folclórico, o padrão é o responsorial, ou seja, aquele onde o coro responde à chamada do solista. Isto se observa tanto nos rituais religiosos quanto nos simples folguedos. Assim, aqui nos ocorre uma afirmação do sambista Buci Moreira, neto da legendária Tia Ciata, matriarca da comunidade baiana do Rio de Janeiro, em uma entrevista, aqui citada de memória: “O samba na casa da minha avó era só aqueles corinhos, em que o cantor improvisava”. Entretanto, no presente álbum, as letras de Luizinho do Jêje e parceiros enriquecem o rito, com onomatopeias de magnífico efeito, como xiriquipá tutupá; malamá malaquê; zaumbê, zazazazá; brugudu, brugudu, indo até o velho Daomé e voltando até nós. E até mesmo, como no "Xirê" acima mencionado, invocando um importante orixá do panteão nagô-ijexá que a saudosa Mãe Menininha do Gantuá dizia ser o “santo menino que velho respeita", o odé Logum Edé.

Este é um álbum de festa. No qual o mistério permanece. Mas as diferenças étnicas e linguísticas não têm maior importância. Afinal, Exu e Elegbá, Ogum e Gu, Xangô e Hevioso, orixás e voduns, todos são partes desta poderosa união jeje-nagô criada ao mesmo tempo por Olodumare e Mawu-Lissá. E que o Aguidavi de Luizinho do Jêje e seus músicos prepararam, para nossa degustação e nosso deleite.

Ajeum! Bom apetite! Axé!
Nei Lopes — novembro de 2022

Aguidavi do Jêje
- Capa simples
- Poster
- Livreto com fotos

Tracklist

LADO A (21:14)
1. Ibaô (4:00) (Luizinho do Jêje)
2. Ogum (3:35) (Domínio público)
3. Na palha do dendê (5:39) (Luizinho do Jêje, Magary e Peu Meurray)
4. Violão de cabaça (8:00) (Luizinho Do Jêje, Nem Cardoso e Magary) part. Gilberto Gil

LADO B (22:58)
1. Salve os Caboclos (6:07) (Luizinho do Jêje e Nem Cardoso) part. Carlinhos Sete Cordas
2. Couro no tempero (7:53) (Luizinho do Jêje e Magary)
3. Xirê (8:58) (Luizinho do Jêje, Nem Cardoso e Peu Meurray)

Ficha Técnica

Direção artística: Luizinho do Jêje, Tiago Nunes, Kainã do Jêje e Sylvio Fraga
Arranjos e direção musical: Luizinho do Jêje, Tiago Nunes, Kainã do Jêje e Lucas Maciel Produção musical: Luizinho do Jêje, Tiago Nunes, Kainã do Jêje e Sylvio Fraga
Gravação: Pepê Monnerat, Edu Costa e Bráulio Passos no Terreiro do Bogum
 
 Gravação de voz, violão e complementos: Pepê Monnerat no Estúdio Rocinante Gravação de voz Gilberto Gil: Edu Costa
Mistura: Pepê Monnerat, Luizinho do Jêje, Tiago Nunes, Kainã do Jêje e Nem Cardoso Masterização: Götz-Michael Rieth
Coordenação técnica: Flávio Marcos Batata
Assistência de estúdio: Felipe Duriez, Alexandre Aedel Junior e Arlow
Coordenação técnica (SSA): Curujito
Assistentes técnicos (SSA): Raphael Santos e Marquinhos
Auxiliar (SSA): Giovane Goiaba
Roadies (SSA): Flavio Pereira São Pedro e Luciano Melo Bogum Toby
Coordenação artística: Jhê
Produção executiva: Luanda Morena Fotografias: Diego Bresani
Fotografias com Gilberto Gil: João Atala Documentário: Rodrigo Siqueira
Projeto gráfico: Julio Dui — Mono

Integrantes: 

Luizinho do Jêje

Nem Cardoso 
Alan Teles 
Danilo Jesus 
Danilo T’challa 
Enzo Xablinha 
Gabriel Santana
 Ícaro Sá
Jadson Xabla 
Jeferson Chagas 
Kainã do Jêje 
Kaique Mello 
Lídio Alves 
Lucas Maciel 
Negokiri 
Paulinho Music 
Raysson Lima 
Tiago Nunes

 

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